Entrevista a Maria Cepeda Castro e René Ayala

Construir uma <br> nova Colômbia

Parar a guerra é fundamental para abrir espaço à construção de um país de paz e justiça social, explicaram Maria Cepeda Castro e René Ayala, do Partido Comunista Colombiano, em conversa com o Órgão Central do PCP realizada durante a Festa do Avante!.

 

«É necessário um cessar-fogo bilateral»

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Decorre em Havana, Cuba, há quase dois anos, um diálogo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o governo colombiano. Em que ponto se encontra o processo?

Maria Cepeda Castro: Neste momento discute-se o ponto relativo às vítimas do conflito, no qual se incluem as resultantes dos crimes de Estado e de lesa humanidade praticados pelo paramilitarismo, aliado histórico do regime.

 

Esse é um facto novo do actual processo, como o é a participação popular, aliás como vinham reivindicando o Partido Comunista Colombiano e as forças democráticas e progressistas colombianas...

MCC: Exacto. O conjunto de iniciativas desenvolvidas antes e depois do início dos diálogos conseguiu impor a participação da sociedade civil em todo o processo, contrariando, aliás, o que defendia o governo, que pretendia reduzir as negociações a conversações entre representantes das FARC e do Estado.

 

Essa postura do governo traduzia uma tentativa de afastar dos diálogos a abordagem das questões políticas, sociais e económicas que estão na base do conflito, e, simultaneamente, reduzir um eventual acordo à capitulação da resistência?

MCC: Sim, o objectivo era que não se colocasse em causa o modelo político, económico e social vigente e do qual decorre a guerra.

René Ayala: Sempre defendemos o envolvimento do povo colombiano no processo de paz. A participação popular tinha que ser assegurada, até porque o povo colombiano é a primeira e maior vítima da confrontação armada.

Nesse sentido e no quadro das negociações, realizam-se amplos fóruns sobre cada um dos temas em apreço, iniciativas organizadas pela Universidade Pública da Colômbia, a primeira do país, que têm como entidade-garante o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Outra novidade no actual processo face a anteriores negociações de paz – caso da ocorrida nos anos 80 e da qual resultou a formação da União Patriótica, que posteriormente foi barbaramente liquidada; caso dos diálogos realizados no México, nos anos 90, ou do processo levado a cabo, entre 1998 e 2002, em San Vicente de Caguán, que apesar de muito «satanizado» incluía muitas das questões que estão na base da guerra –; outra novidade, dizia, é o envolvimento de representantes de forças militares e policiais, ou seja, do aparelho repressivo do regime.

Por outro lado, a constituição da Comissão de Verdade Histórica, composta por dez investigadores, professores universitários, analistas do conflito, cinco propostos pela guerrilha e outros tantos pelo governo, é também muito importante. A ideia é que a Comissão estabeleça a verdade e contribua para que as vítimas tenham acesso à Justiça; que se identifique os aspectos profundos que geraram o conflito afastando a ideia propagandeada pelo ex-presidnete Álvaro Uribe e pelo imperialismo norte-americano sobre o carácter terrorista da resistência, evidenciando, ao invés, que se trata de uma guerra que surgiu da ausência de democracia, da concentração da posse da terra, entre outras razões.

 

Desafios aliciantes

 

Não é estranho que ao mesmo tempo que decorrem negociações em Havana, prossigam combates na Colômbia?

RA: Nós, comunistas, consideramos que é necessário um cessar-fogo bilateral. É fundamental para aprofundar a discussão sem desconfianças.

Por exemplo, quando camponeses e forças repressivas se enfrentam na região de Catatumbo, o contexto de confronto que se cria leva a que a população fique cada vez mais descrente num desfecho positivo das negociações. O mesmo sucede se os combates continuarem entre as FARC e o exército colombiano.

 

Admitamos que é assinado um acordo de paz entre as FARC e o Governo colombiano. O que se segue?

MCC: Tem de seguir-se uma reforma constitucional, uma nova Constituição onde os pontos acordados tenham condições e espaço para se materializarem. Essa é uma reivindicação que mantemos e para a qual procuramos mobilizar amplos sectores da sociedade.

Foi a luta e unidade que assegurou a constituição, em pleno contexto de reeleição do presidente Juan Manuel Santos, do Conselho Nacional da Paz, onde estão representadas muitas organizações sociais e cujo funcionamento, tendo carácter constitucional, não depende da vitória ou derrota de Santos.

A luta e a unidade do conjunto de forças democráticas, progressistas e de esquerda em torno da Colombianos pela Paz contribuiu decisivamente para o início e para o conteúdo das actuais negociações. Essa é uma experiência que importa reter.

RA: A paz não se conquista apenas com a assinatura de um acordo, ainda que esse seja um passo importante e que o texto final contenha compromissos sobre as causas profundas do conflito. A luta social segue.

A questão central agora, porém, é para a guerra, interromper o ciclo de morte, assassinatos, deslocados de guerra e refugiados, de confrontação armada com todas as suas consequências. É necessário, simultaneamente, assegurar que não persistem os elementos que estão na base do conflito e, por conseguinte, façam regressar a guerra impedindo a transformação democrática da Colômbia.

A proposta de constituição de uma Assembleia Nacional Constituinte vai nesse sentido. Isto é, a paz com justiça social tem de traduzir-se num quadro normativo de direitos políticos, económicos e sociais para a maioria dos colombianos.

 

As mudanças progressistas na América Latina ajudaram ao desencadeamento do processo de paz. Integrar esse movimento de cooperação soberana é o futuro da Colômbia?

MCC: É difícil responder porque na Colômbia tudo é muito incerto. O país sempre foi um bastião dos EUA. Pela sua posição geopolítica serviu de território avançado do imperialismo na subjugação da América do Sul. A paz não vai ser uma panaceia e, como dizia o René, há que prosseguir a luta e enfrentar os processos políticos e sociais decorrentes.

Creio, no entanto, que parte da burguesia colombiana considera que o modelo assente no paramilitarismo já não é rentável.

 

Os resultados das recentes eleições presidenciais e parlamentares são expressão dessas dificuldades que referem?

RA: Juan Manuel Santos deve a sua reeleição à esquerda. Apesar de rechaçarmos o modelo que representa o actual presidente – antipopular, anti-social, antilaboral –, considerámos que o mais importante era garantir a continuidade do processo de paz, parar a guerra e travar a personagem sinistra que é Álvaro Uribe, cuja proposta política que protagoniza tem claros contornos e conteúdos fascistas e fascizantes.

Santos tem, assim, uma dívida histórica com a esquerda, por isso não pode chantagear o povo ou ameaçar que vai abandonar o processo de paz.

As forças mais avançadas não têm representação parlamentar, porém continuam a trabalhar para a unidade das forças democráticas e progressistas, dar força à Marcha Patriótica, criar condições para o reforço político, social e eleitoral de um projecto capaz de disputar o poder no país.



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